(FUVEST) Leia o
trecho para responder ao teste.
"Fizeram alto. E
Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa.
Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança.
Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a
poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem
parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a,
tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente
perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra
dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia,
pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o
cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas
de losna, as pedras da cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as
alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário largar tudo? As alpercatas
chiavam de novo no caminho coberto de seixos." (Vidas secas, Graciliano
Ramos)
Assinale a
alternativa incorreta:
a) O trecho pode ser
compreendido como suspensão temporária da dinâmica narrativa, apresentando uma
cena "congelada", que permite focalizar a dimensão psicológica da
personagem.
b) Pertencendo ao
último capítulo da obra, o trecho faz referência tanto às conquistas recentes
de Fabiano, quanto à desilusão do personagem ao perceber que todo seu esforço
fora em vão.
c) A resistência de
Fabiano em abandonar a fazenda deve-se à sua incapacidade de articular
logicamente o pensamento e, portanto, de perceber a gradual mas inevitável
chegada da seca.
d) A expressão
"coisas alheias" reforça a crítica, presente em toda obra, à
marginalização social por meio da exclusão econômica.
e) As referências a
"enterro" e "cemitério" radicalizam a caracterização das
"vidas secas" do sertão nordestino, uma vez que limitam as
perspectivas do sertanejo pobre à luta contra a morte.
2. (FUVEST) Um
escritor classificou Vidas secas como “romance desmontável”, tendo em vista sua
composição descontínua, feita de episódios relativamente independentes e
seqüências parcialmente truncadas.
Essas características
da composição do livro:
a) constituem um
traço de estilo típico dos romances de Graciliano Ramos e do Regionalismo
nordestino.
b) indicam que ele
pertence à fase inicial de Graciliano Ramos, quando este ainda seguia os
ditames do primeiro momento do Modernismo.
c) diminuem o seu
alcance expressivo, na medida em que dificultam uma visão adequada da realidade
sertaneja.
d) revelam, nele, a
influência da prosa seca e lacônica de Euclides da Cunha, em Os sertões.
e) relacionam-se à
visão limitada e fragmentária que as próprias personagens têm do mundo.
3. (PUC-SP) O mulungu
do bebedouro cobria-se de arribações. Mau sinal, provavelmente o sertão ia
pegar fogo. Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio,
descansavam, bebiam e, como em redor não havia comida, seguiam viagem para o
Sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas
excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado. (…) Alguns dias
antes estava sossegado, preparando látegos, consertando cercas. De repente, um
risco no céu, outros riscos, milhares de riscos juntos, nuvens, o medonho rumor
de asas a anunciar destruição. Ele já andava meio desconfiado vendo as fontes
minguarem. E olhava com desgosto a brancura das manhãs longas e a vermelhidão
sinistra das tardes. (…)
O trecho acima é de
Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos. Dele, é incorreto afirmar-se que:
a) prenuncia nova
seca e relata a luta incessante que os animais e o homem travam na constante
defesa da sobrevivência.
b) marca-se por
fatalismo exagerado, em expressão como “o sertão ia pegar fogo”, que impede a
manifestação poética da linguagem.
c) atinge um estado
de poesia, ao pintar com imagens visuais, em jogo forte de cores, o quadro da
penúria da seca.
d) explora a
gradação, como recurso estilístico, para anunciar a passagem das aves a caminho
do Sul.
e) confirma, no
deslocamento das aves, a desconfiança iminente da tragédia, indiciada pela
“brancura das manhãs longas e a vermelhidão sinistra das tardes”.
4. (UFLA) Sobre a
obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, todas as alternativas estão corretas,
EXCETO:
a) O romance focaliza
uma família de retirantes, que vive numa espécie de mudez introspectiva, em
precárias condições físicas e num degradante estado de condição humana.
b) O relato dos fatos
e a análise psicológica dos personagens articulam-se com grande coesão ao longo
da obra, colocando o narrador como decifrador dos comportamentos animalescos
dos personagens.
c) O ambiente seco e
retorcido da caatinga é como um personagem presente em todos os momentos,
agindo de forma contínua sobre os seres vivos.
d) A narrativa faz-se
em capítulos curtos, quase totalmente independentes e sem ligação cronológica e
o narrador é incisivo, direto, coerente com a realidade que fixou.
e) O narrador
preocupa-se exclusivamente com a tragédia natural (a seca) e a descrição do
espaço não é minuciosa; pelo contrário, revela o espírito de síntese do autor.
5. (UEL) O texto
abaixo apresenta uma passagem do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, em
que Fabiano é focalizado em um momento de preocupação com sua situação
econômica. Escrito em 1938, esta obra insere-se num momento em que a literatura
brasileira centrava seus temas em questões de natureza social.
"Se pudesse
economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça. Forjara planos. Tolice,
quem é do chão não se trepa. Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho,
recorria à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes.
Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os recursos minguados,
engasgava-se, engolia em seco."
(In: RAMOS,
Graciliano. Vidas secas. 55. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991.)
Sobre este trecho do
romance, somente está INCORRETO o que se afirma na alternativa:
a) Este trecho resume
a situação de permanente pobreza de Fabiano e revela-se como uma crítica à
economia brasileira e às relações de trabalho que vigoravam no sertão
nordestino no momento em que a obra foi criada. Isso pode ser confirmado pelas
orações: "... Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho, recorria
à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes...."
b) A oração: "Se
pudesse economizar durante alguns meses, levantaria a cabeça" tanto pode
ser o discurso do narrador que revela o pensamento de Fabiano, quanto pode ser
o próprio pensamento dessa personagem. Esse modo de narrar também ocorre com as
demais personagens do romance.
c) A oração:
"... Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os recursos
minguados, engasgava-se, engolia em seco" indica a voz do narrador em
terceira pessoa, ao mostrar o estado de agonia em que se encontra a personagem.
d) A expressão
“Forjara planos”, típica da linguagem culta, é seguida no texto por um
provérbio popular: “quem é do chão não se trepa”. Essa mudança de registro
lingüístico é reveladora do método narrativo de Vidas secas, que subordina a
voz das classes populares à da elite.
e) O texto tem início
com a esperança de Fabiano de mudanças em sua situação econômica; a seguir,
passa a focalizar a realidade de pobreza em que a personagem se encontra, e
finaliza com sua revolta e angústia diante da condição de empregado, sempre em
dívida com o patrão.
ACAFE / SC) A vida na
fazenda se tornara difícil. Sinha Vitória benzia-se tremendo, manejava o
rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do
copiar, Fabiano espiava a catinga amarela, onde as folhas secas se
pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros,
torrados. No céu azul, as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco
os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a
Deus um milagre.
De acordo com o
fragmento acima, é incorreto o que se afirma em:
a) Tanto Sinha
Vitória quanto Fabiano tinham fé na providência divina.
b) O enfoque é
narrativo.
c) O que se relata ao
longo do parágrafo tem o objetivo de confirmar a afirmação da primeira frase.
d) Há evidências de
que Sinha Vitória e Fabiano estão fragilizados, pois ela "benzia-se
tremendo" e ele estava "encolhido na banco do copiar".
e) O tema
predominante é a indagação metafísica sobre a existência (inexistência) de
Deus.
7. (ACAFE / SC)
Baleia queria dormir. Acordaria feliz num mundo cheio de preás. E lamberia as
mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam
com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de
preás, gordos, enormes. (Graciliano Ramos)
Sobre o texto acima,
é correto afirmar que:
a) há marcas próprias
do chamado discurso direto através do qual são reproduzidas as falas das
personagens.
b) o narrador é
observador, pois conta a história de fora dela, na terceira pessoa, sem
participar das ações, como quem observou objetivamente os acontecimentos.
c) quem conta a
história é uma das personagens, que tem uma relação íntima com as outras
personagens, e, por isso, a maneira de contar é fortemente marcada por
características subjetivas, emocionais.
d) evidencia-se um
conflito entre a protagonista Baleia e o antagonista Fabiano, pois este impede
que a cadela possa caçar os preás.
e) o narrador é
onisciente, isto é, geralmente ele narra a história na terceira pessoa, sabe
tudo sobre o enredo e sobre as personagens, inclusive sobre suas emoções,
pensamentos mais íntimos, às vezes, até dimensões inconscientes.
8. (ACAFE / SC) Sobre
a obra Vidas secas, é correto afirmar que:
a) a preocupação com
a fidedignidade histórica e com o tom épico atenua o sentimento dramático da
vida, habitualmente presente nos poemas do autor.
b) apresenta temática
indianista, a exemplo do que fizera Gonçalves Dias em Os timbiras e Canção do
tamoio.
c) as personagens
humanas, em razão da seca, da fome, da miséria e das injustiças sociais,
animalizam-se; em contrapartida, os bichos humanizam-se.
d) Chico Bento, antes
da seca, não era vagabundo, nem bandido; era um trabalhador rural. e) narra a
história de um burguês, Paulo Honório, que passara da condição de
caixeiro-viajante e guia de cego à de rico proprietário de uma fazenda. Para
atingir seus objetivos, o protagonista elimina todos os empecilhos que se
colocam à sua frente, inclusive pessoas.
9. (ACAFE / SC)
Analise as afirmações abaixo.
(I) "Será um
romance? É antes uma série de quadros, de gravuras em madeira, talhadas com
precisão e firmeza."
(II) "Construído
como uma longa narrativa oral, o romance tem como personagem-narrador Riobaldo,
um velho fazendeiro, que já foi homem de letras e de armas e que vive às
margens do rio São Francisco."
(III) "Com a
análise psicológica do universo mental das personagens, que expõe por meio do
discurso indireto livre, o narrador nos vai decifrando a sua humanidade
embotada, confundida com a paisagem áspera do sertão, neste romance que
transcende o regionalismo e seu contexto específico."
(IV)
"Emprestando dinheiro a juros, negociando de arma engatilhada no sertão,
passando fome e sede, [o protagonista] consegue acumular algum capital e com
ele volta para a sua terra, no município de Viçosa, Alagoas, onde ficava a
propriedade."
(V) "O tema do
poema é o itinerário do retirante nordestino, que parte do sertão paraibano em
direção ao litoral, em busca de sobrevivência, devido à seca e às precárias,
senão insustentáveis, condições de vida da maioria da população.
Todas as afirmações
que se referem à obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, estão relacionadas em:
a) I - III
b) II - IV - V
c) III - V
d) II - III - IV
e) I - II - IV
10. (UNIARAXÁ) Leia o
fragmento abaixo transcrito da obra Vidas Secas e responda a questão a seguir.
Vivia longe dos
homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não
sentiam a quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a
ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro
entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado,
cambaio, torto e feio. Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma
língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade
falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade,
tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez
perigosas. (Graciliano Ramos)
O texto, no seu
conjunto, enfatiza:
(A) A pobreza física
do personagem.
(B) A falta de
escolaridade do personagem.
(C) A miséria moral
do personagem.
(D) A identificação
do personagem com o mundo animal.
(E) nda
(UNIARAXÁ) Leia o
fragmento abaixo transcrito da obra Vidas Secas e responda a questão a seguir.
Vivia longe dos
homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não
sentiam a quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a
ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro
entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado,
cambaio, torto e feio. Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma
língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade
falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade,
tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez
perigosas. (Graciliano Ramos)
No texto, a
referência aos pés:
Ache os cursos e
faculdades ideais para você !
(A) Constitui um jogo
de contrastes entre o mundo cultural e o mundo físico do personagem.
(B) Acentua a rudeza
do personagem, em nível físico.
(C) Justifica-se como
preparação para o fato de que o personagem não estava preparado para caminhada.
(D) Serve para
demonstrar a capacidade de pensar do personagem.
(E) nda
12. (IELUSC) Texto
para a próxima questão.
Tinham deixado os
caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio,
a lama seca e rachada que escaldava os pés. [...]
[Sinhá Vitória]
distraiu-se olhando os xiquexiques e os mandacarus que avultavam na campina. Um
mormaço levanta-se da terra queimada.
Estremeceu,
lembrando-se da seca, o rosto moreno desbotou, os olhos pretos
arregalaram-se... (Graciliano Ramos)
O texto é um trecho
da obra de Vidas Secas (1938), que sobre a qual é INCORRETO afirmar que:
a) Apesar de as
personagens da história viverem no sertão nordestino, boa parte da trama se
passa em São Paulo, que é o destino da maioria dos retirantes.
b) Focaliza uma
família de retirantes que vive numa espécie de mudez introspectiva, em
precárias condições físicas e num estado degradante de condição humana.
c) O autor descreve a
realidade a partir da visão amarga do sertanejo, associando a psicologia das
personagens com as condições naturais e sociais em que estão inseridas.
d) É um “romance
desmontável”, tendo em vista sua composição descontínua, feita de episódios
relativamente independentes e seqüências parcialmente truncadas.
e) Algumas das
personagens são: Sinhá Vitória, Fabiano, Baleia e o Soldado Amarelo.
13. (FAPA) Leia o
texto abaixo, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos:
“Na planície
avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham
caminhado o dia inteiro, estavam cansados e faminhos. Ordinariamente andavam
pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem
progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem
dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos da catinga rala.”
Considere as
afirmações abaixo a respeito do romance Vidas Secas:
I - O fragmento -
parágrafo inicial do romance – apresenta o cenário da seca, que obriga uma
família pobre do sertão a vagar triste e resignadamente em busca de um lugar
onde possa sobreviver.
II - Como um típico
Romance de 30, Vidas Secas aborda a estrutura econômica, social e histórica do
Brasil daquela década, fazendo com que aspectos documentais estejam presentes
na tessitura narrativa.
III - O mundo injusto
e opressivo retratado em Vidas Secas é decorrente do latifúndio nordestino,
responsável pela desigualdade social.
Quais são corretas?
(A) Apenas I
(B) Apenas I e II
(C) Apenas I e III
(D) Apenas II e III
(E) I, II e III
DISSERTATIVAS
14. (UFBA) Os meninos
sumiam-se numa curva do caminho. Fabiano adiantou-se para alcançá-los. Era
preciso aproveitar a disposição deles, deixar que andassem à vontade. Sinha
Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos filhos. Dobrando o cotovelo da
estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido
alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu
espírito.
E a conversa
recomeçou. Agora Fabiano estava meio otimista. Endireitou o saco da comida,
examinou o rosto carnudo e as pernas grossas da mulher. Bem. Desejou fumar.
Como segurava a boca do saco e a coronha da espingarda, não pôde realizar o
desejo. Temeu arriar, não prosseguir na caminhada. Continuou a tagarelar,
agitando a cabeça para afugentar uma nuvem que, vista de perto, escondia o
patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia. Os pés calosos, duros como
cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não caminhariam?
Sinha Vitória achou que sim. [...] Por que haveriam de ser sempre desgraçados,
fugindo no mato como bichos?
Com certeza existiam
no mundo coisas extraordinárias. Podiam viver escondidos, como bichos?
Fabiano respondeu que
não podiam.
–– O mundo é grande.
Realmente para eles
era bem pequeno, mas afirmavam que era grande –– e marchavam, meio confiados,
meio inquietos. Olharam os meninos que olhavam os montes distantes, onde havia
seres misteriosos. Em que estariam pensando? zumbiu sinha Vitória. Fabiano
estranhou a pergunta e rosnou uma objeção. Menino é bicho miúdo, não pensa. Mas
sinha Vitória renovou a pergunta –– e a certeza do marido abalou-se. Ela devia
ter razão. Tinha sempre razão. Agora desejava saber que iriam fazer os filhos
quando crescessem.
–– Vaquejar, opinou
Fabiano.
Sinha Vitória, com
uma careta enjoada, balançou a cabeça negativamente, arriscando-se a derrubar o
baú de folha. Nossa Senhora os livrasse de semelhante desgraça. Vaquejar, que
idéia!
Chegariam a uma terra
distante, esqueceriam a catinga onde havia montes baixos, cascalhos, rios
secos, espinhos, urubus, bichos morrendo, gente morrendo. Não voltariam nunca
mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram
bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe,
adotariam costumes diferentes.
RAMOS, Graciliano.
Vidas secas. 71. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 120-122.
A análise do
fragmento, contextualizado no romance Vidas Secas, permite afirmar:
(01) Fabiano
considera necessária a imersão das crianças no mundo convencional para
apreendê-lo e, assim, libertá-las das condições socioculturais vividas.
(02) Sinha Vitória
não se submete às expectativas sociais dominantes, contudo vislumbra um retorno
às trivialidades da sua vida social da infância.
(04) O conjunto de
personagens da trama simboliza, alegoricamente, os heróicos seres que sonham em
reformar a sociedade agrária brasileira à custa da luta armada.
(08) Fabiano e sinha
Vitória configuram um tipo de ser que vive reiterando ações, sem nada
acrescentar a seu processo de crescimento humano.
(16) Fabiano
constitui uma metáfora de ser humano derrotado, que sofre as conseqüências das
estruturas vigentes e não consegue impor seus pontos de vista.
(32) A narrativa como
um todo retrata um espaço em que a imutabilidade social e o abismo entre povo e
governo são incontestáveis.
(64) A interação
entre humanos e inumanos na narrativa explica a descontinuidade das ações
narradas.
RESOLUÇÃO
08 + 16 + 32 = 56
15. (UFBA) A cachorra
Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos,
as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e
sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços
dificultavam-lhe a comida e a bebida.
Por isso Fabiano
imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no
pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a
pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava
os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta,
grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.
Então Fabiano
resolveu matá-la. [...]
Sinha Vitória
fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam
desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: — Vão bulir com a
Baleia?
[...]
Ela era como uma
pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se
diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo,
ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.
Quiseram mexer na
taramela e abrir a porta, mas sinha Vitória levou-os para a cama de varas,
deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais
velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os
pequenos resistissem, aperreou-se e tratou de subjugá-los, resmungando com
energia.
Ela também tinha o
coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era
necessária e justa. Pobre da Baleia.
[...]
Na luta que travou
para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade.
Safadinho. Atirou um
cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens.
Pouco a pouco a
cólera diminuiu, e sinha Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela
achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão.
Inconveniência deixar
cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais,
achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado
mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável.
RAMOS, Graciliano.
Vidas secas. 74. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 85-86.
Sobre o fragmento,
contextualizado na obra, é correto afirmar:
(01) O primeiro e o
segundo parágrafos contêm argumentos que justificam a decisão a ser tomada em
relação a Baleia.
(02) Fabiano
demonstra cuidados com Baleia, apesar de ser o seu algoz.
(04) O comportamento
de sinha Vitória caracteriza-a como a mãe protetora, zelosa do bem-estar de
seus filhos.
(08) O poder de
decisão do chefe de família no ambiente rural fica evidente no texto.
(16) Sinha Vitória,
ao aceitar passivamente a decisão do marido no que se refere a Baleia,
demonstra ser indiferente ao animal e preocupar-se exclusivamente com seus
filhos.
(32) A decisão de
matar Baleia deixa patente o temperamento agressivo de Fabiano.
(64) A palavra “Mas”,
no último parágrafo, antecede uma explicação do conflito entre razão e emoção
vivido por sinhá Vitória.
RESPOSTA: 01 + 02 +
04 + 08 + 64 = 79
01. Leia o trecho e
assinale a alternativa incorreta.
.Agora Fabiano era
vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um
bicho, mas criara raízes, estava plantado. Olhou os quipás, os mandacarus e os
xique-xiques. Era mais forte que tudo isso, era como as catingueiras e as
baraúnas. Ele, sinhá Vitória,
os dois filhos e a
cachorra Baleia estavam agarrados à terra.
(...) Entristeceu.
Considerar-se
plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima
e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela
seca."
a. Fabiano identifica
melhoria na vida da família depois que se instalou na fazenda, mas a linguagem
que emprega denuncia ironicamente os limites ,melhora, já que reduz sua
humanidade ao comparar-se a bichos e plantas.
b. A expressão
.estava plantado., do primeiro parágrafo, traduz a insatisfação do vaqueiro,
que revela perceber o quanto é dependente da natureza e de uma terra que não é
sua.
c. A expressão
.entocara-se como bicho. refere-se ao modo pelo qual Fabiano se apropriara da
fazenda desabitada, sem fazer alarde, na tentativa de não ser descoberto.
d. Entre os dois
parágrafos transcritos ocorre contraste: inicialmente, Fabiano revela-se
ingênuo por acreditar que dominava seu futuro, mas em seguida retifica sua
euforia e expressa desilusão.
e. Nos dois
parágrafos ocorre o emprego do discurso indireto livre, pelo qual o narrador
acompanha as oscilações emocionais de Fabiano.
02. Assinale a
alternativa correta sobre o trecho de Vidas secas.
.A princípio o
vaqueiro não compreendeu nada. Viu apenas que estava ali um inimigo. De repente
notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave, uma autoridade. Sentiu um
choque violento, deteve-se, o braço ficou irresoluto, bambo, inclinando-se para
um lado e para outro. O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano tinha
vontade de levantar o facão de novo. Tinha vontade, mas os músculos afrouxavam.
Realmente não quisera matar um cristão: procedera como quando, a montar brabo,
evitava galhos e espinhos. Ignorava os movimentos que fazia na sela. Alguma
coisa o empurrava para a direita ou para a esquerda. Era essa coisa que ia
partindo a cabeça do soldado amarelo. Se ela tivesse demorado um minuto,
Fabiano seria um cabra valente. Não demorara."
a. Fabiano percebe
que não tem força para matar o soldado amarelo e, tomado pela raiva contra a
própria impotência, não controla seus movimentos.
b. Depois de ter sido
afrontado pelo soldado amarelo, no episódio em que acabou preso por causa do
jogo, Fabiano reencontra-se com a personagem no meio da caatinga, mas receia
vingar-se simplesmente porque teme as represálias da força policial.
c. O soldado amarelo
representa não apenas o poder autoritário, mas todo o mundo civilizado, ao qual
Fabiano se esforça para integrar-se.
d. Fabiano não
conseguia manter, naquele momento em que se deparava com o soldado amarelo, a
agilidade e poder de resolução que caracterizava suas atividades como vaqueiro.
e. O estado emocional
instável de Fabiano, provocado pelo encontro com o soldado amarelo,
desgoverna-o, de modo que o personagem se deixa levar por um delírio, no qual
se vê como assassino do soldado.
03. Cada um dos
membros da família de Fabiano merece em Vidas secas um capítulo integralmente
dedicado à apresentação da personagem e à exposição de um aspecto fundamental
da vida dos retirantes.
Associe cada um
desses quatro capítulos à interpretação adequada. Em seguida, assinale a
alternativa que apresenta a associação correta.
( ) .Fabiano.
( ) .Sinha Vitória.
( ) .O menino mais
velho.
( ) .O menino mais
novo.
I. A incapacidade de
compreender e de explicar o significado de um termo resulta em uma cena de
desafeto, que registra não só os limites intelectuais/culturais dos integrantes
da família de Fabiano, mas também uma hierarquia de poder, segundo a qual
parece sempre haver alguém mais fraco na cadeia das relações sociais.
II. A percepção de
que a vitória temporária não representa alteração fundamental na vida familiar
concede um caráter crítico ao capítulo. Alia-se nesse crítica a consciência de
que a cultura letrada não transforma a realidade, mas pode conceder poder
àqueles que têm estudo e sabem se expressar bem.
III. A heroicidade do
sertanejo é apresentada como uma perspectiva ingênua, infantil, que só leva em
conta o aspecto aventuresco e não manifesta consciência do processo de
desumanização provocado pela miséria e pela marginalização sócio-econômica.
IV. A despeito da
situação de pauperismo em que vivem os retirantes, sobrevive a dimensão dos
desejos, os sonhos de melhoria de vida. O fio de esperança que a personagem
alimenta, a capacidade de manter previsões, amplia sua vida para além da
sobrevivência diária e resguarda um mínimo de humanidade, que distingue seres
humanos de outros animais.
a. (II) .Fabiano.;
(I) .Sinha Vitória.; (IV) .O menino mais velho.; (III) .O menino mais novo.;
b. (II) .Fabiano.;
(IV) .Sinha Vitória.; (I) .O menino mais velho.; (III) .O menino mais novo.;
c. (I) .Fabiano.;
(IV) .Sinha Vitória.; (I) .O menino mais velho.; (II) .O menino mais novo.;
d. (III) .Fabiano.;
(II) .Sinha Vitória.; (I) .O menino mais velho.; (IV) .O menino mais novo.;
e. (IV) .Fabiano.;
(I) .Sinha Vitória.; (III) .O menino mais velho.; (II) .O menino mais novo..
04. Leia o trecho do
capítulo .Fuga...Saíram de madrugada. Sinha Vitória meteu o braço pelo buraco
da parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio,
deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de porteiras abertas, o
carro de bois que apodrecia, os juazeiros. (...) Desceram a ladeira,
atravessaram o rio seco, tomaram rumo para o sul. Com a fresca da manhã,
andaram bastante, em silêncio, quatro sombras no caminho estreito coberto de
seixos miúdos (...)."
A partir da análise
do trecho, é incorreto afirmar sobre o estilo de Graciliano Ramos: a. A
narração é entremeada de elementos descritivos anunciados de modo breve, na
medida necessária para indicar o estado de falência em que se encontrava a
fazenda, assolada pela estiagem.
b. O narrador é
atento a detalhes significativos, como o fato de sinha Vitória fechar a porta,
que, se por um lado revela um cuidado desnecessário e mesmo descabido naquela
situação, por outro enfatiza o apego que naturalmente se desenvolveu entre a
família e o espaço físico da fazenda durante o período de chuvas.
c. Por ser uma obra
regionalista, Vidas secas dá destaque à descrição da paisagem da caatinga,
compondo uma pintura rica em detalhes, de modo a ressaltar a importância dos
aspectos naturais na determinação da desgraça das personagens.
d. No trecho, há
praticamente apenas quatro adjetivos (.abertas., .seco., .estreito. e .miúdos.)
e
todos eles podem ser
considerados .objetivos., isto é, contribuem para descrever de maneira
realista, sem a
interferência emocional do observador, a paisagem.
e. As orações são
apresentadas preferencialmente na ordem direta e formam períodos por
coordenação, o que se ajusta à reconhecida simplicidade da linguagem de
Graciliano Ramos.
05. Leia as
afirmações e em seguida assinale a alternativa que as analisa corretamente.
I. Ao mesmo tempo que
representam toda uma classe de seres humanos enjeitada ou simplesmente
esquecida pela estrutura social, as personagens de Vidas secas não se reduzem a
meras personagens-tipos, porque suas diversificadas vivências psicológicas,
reveladas pelo discurso indireto livre, não são verossímeis, não correspondem
ao gênero de reflexão que se espera de um sertanejo pobre.
II. A estrutura
cíclica da obra é uma decisão estilística que denuncia o ponto de vista do
autor: para o homem maltratado pela seca, desamparado de qualquer ajuda e
destituído de poder, o bem-estar só pode ser compreendido como momento instável
e transitório.
III. As limitações da
linguagem que caracterizam a família de Fabiano indicam uma relação
determinista de causa e efeito, segundo a qual a desnutrição e a
impossibilidade de freqüentar a escola impossibilitam que os seres humanos
consigam compreender a realidade que os cerca. Na obra, quem domina a linguagem
consegue alterar a situação de miséria provocada pela seca.
a. somente a
alternativa I está correta;
b. somente as
alternativas I e II estão corretas;
c. somente as
alternativas II e III estão corretas;
d. somente a
alternativa II está correta;
e. nenhuma
alternativa está correta.
Gabarito
01. Alternativa b.
02. Alternativa e.
03. Alternativa b.
04. Alternativa c.
05. Alternativa d.