domingo, 27 de abril de 2014
A eterna noite de angústias Expressionistas de Julien Green
- Chico Lopes in http://www.verbo21.com.br/v5/index.php?option=com_content&view=article&id=60:a-eterna-noite-de-angustias-expressionistas-de-julien-green-chico-lopes&catid=46:resenha-e-ensaios-janeiro-2011&Itemid=127
Por Chico Lopes
Esqueceu-se Julien Green, que foi muito amado por Lúcio Cardoso e Clarice Lispector, no Brasil? Não sei. Com as novas gerações que escrevem por aqui, parece não haver lugar para o tipo de angústia expressionista dos grandes livros de Green. Aliás, vamos ser claros, na ânsia de serem “pop” ou estrelinhas midiáticas, boa parte dos novos escritores tem mesmo é pouquíssima cultura literária e uma pressa que anula muitos valores fundamentais.
Americano formado na cultura francesa, Green foi um fenômeno nas letras francesas do século passado. Morreu em 1998, e sua vida foi marcada por uma conversão ao catolicismo em 1916. Mas o fenômeno que representou é de difícil classificação. Homossexual, seus livros exalam uma aspiração à pureza que se deteriora face à sordidez muito concreta e anti-idealizadora do mundo. Conceitos como o Mal, o Inferno e o Pecado, que para os novos escritores podem parecer simplesmente ridículos, têm lugar entranhado em sua obra. Talvez a pouca densidade moral da literatura atual não tenha mesmo lugar para um escritor tão peculiar quanto ele.
Não li todo o Green, claro, mas acho que não está integralmente traduzido no Brasil (se alguém tiver informações, agradeceria). Li “Adrienne Mesurat”, que me pareceu sua obra-prima, “Leviatã”, um livro vigoroso, e foi só. Faz pouco tempo, descobri um Green que não conhecia em sebo – “Meia-Noite”, de uma editora que nem sei se ainda existe, a Mandarim. Não tinha a menor informação sobre este romance.
Green se projeta com muita força em suas heroínas. Quem ler “Adrienne Mesurat”, achará que está topando com a confirmação da noção de que a Terra é lugar de expiação e os seres humanos se encontram à solta para torturarem-se mutuamente, demônios sem cura. O ideal romântico de Adrienne é um médico que ela só vê à distância, sem jamais tocar. Ela tem um pai que é um horror, em termos de repressão, e vive num sufoco provinciano sem limites. A sua tentativa de fugir aos tentáculos do egoísmo, da aridez e da solidão sem remédio dará num episódio inteiramente patético, e o final do livro é incrível. Em “Meia-Noite”, a heroína chama-se Élisabeth, e prolonga o mundo peculiar de Green.
Mais uma vez, é uma mulher predestinada a estranhos encontros e a uma luta incessante contra a hostilidade de um mundo em que a maldade, o egoísmo mais empedernido e a solidão mais devoradora dão o tom. Ela nunca está em repouso: salta de um acontecimento para outro, de menininha órfã para jovem bela, passando de um lar de tias ferozes e sinistras como harpias para uma casa burguesa onde terá de lutar contra a inveja de duas irmãzinhas feias, até acabar em Frontfroid, uma mansão particularmente estranha onde Green faz surgirem seres que são verdadeiras alegorias expressionistas. O romance, a esta altura, entra decididamente num onirismo meio de pesadelo. Parece um conto-de-fadas enlouquecido.
O acontecimento que dá origem a toda a história é a morte da mãe de Élisabeth, que acontece de um modo tipicamente greeniano: ela vai até uma determinada colina onde deveria ser vista por um homem que acenaria para ela de dentro de um trem que deveria passar naquele momento. Como isso não acontece, mata-se.
Esse desejo de colher um ideal para sempre inacessível vem de “Adrienne Mesurat” – para ser notada pelo médico que ama à distância, Adrienne quebra o vidro de uma janela, ferindo-se as mãos. O amor romântico é um desejo fadado ao total malogro, em Green. Pode-se especular se o homossexual que nele havia era muito mal aceito por ele mesmo, fazendo surgir a inevitável associação entre sexo e impureza.
Green parece ter paixão decisiva por esse tipo de romantismo desesperado, desejoso de um Absoluto que a realidade poda, implacavelmente. O médico que Adrienne ama está longe de sequer saber quem ela é. O homem que a mãe de Élisabeth amou, arrependido por ter causado a sua morte, perseguirá a órfã até conseguir torná-la prisioneira em Frontfroid. É um certo Sr. Edme, que ninguém vê, que vive com a casa cheia de hóspedes os mais esquisitos e “troca a noite pelo dia”. Quando ele aparece, o romance já se encaminha para o fim e Élisabeth está apaixonada por Serge, um jovem primitivo que também mora na casa, sugerindo boa dose de ambigüidade.
O Sr.Edme é menos um homem que uma ideia. Uma dessas ideias diabólicas e estranhíssimas às quais, como em “Leviatã”, livro também muito onírico, Green consegue dar uma encarnação verossímil.
Aliás, é essa a atmosfera típica de seus romances: a narrativa obedece ao realismo tradicional até certo ponto, mas é profundamente alegórica, anti-realista, e, no entanto, as personagens parecem dotadas de uma vida profunda cuja verossimilhança não parece poder ser posta em dúvida. Green empresta sua vida profunda a elas, donde a estranha concretude assumida pelo fantasmagórico. É um poeta da prosa. Pode-se entender por que Clarice Lispector tinha interesse por sua obra: sua, digamos, banalidade, está inchada de transcendência, de uma inquietação que parece vir de regiões infernais, realmente. Green, como católico, acreditava muito mais no Mal do que nas possibilidades de redenção do gênero humano, decididamente. Não há muitos respiradouros “celestiais” e nem vaga possibilidade deles nas atmosferas áridas nas quais ele se move.
Isso pode tornar a sua obra impalatável, para o leitor de hoje em dia, e não admira que pouco se fale dele. Mas, para quem aprecia livros de fatos bem escritos e com profundezas consideráveis, ele nunca sairá de circulação, sem dúvida nenhuma. Haverá sempre quem compreenda uma alma como a de Green, nalgum canto do planeta.
Lembranças tropicais
por Perry Anderson in http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-61/questoes-bioliterarias/lembrancas-tropicais
As diferenças e semelhanças de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa na literatura e na política até publicarem seus livros de memória
Como formas de escrever sobre o passado, memórias e autobiografias são empreitadas diferentes, apesar de na prática não se sobreporem. No limite, um livro de memórias pode recriar um mundo ricamente povoado por pessoas, sem contudo falar muito sobre o próprio autor. Uma autobiografia, em compensação, pode assumir a forma de um retrato puro de si, no qual o mundo e os outros aparecem apenas como uma mise-en-scène para a aventura íntima do narrador. Ao recontar sua vida, romancistas já produziram atos de bravura em ambos os gêneros.
Entre as obras modernas, To Keep the Ball Rolling [Para Manter a Bola Rolando], de Anthony Powell – quatro volumes agradáveis, embora lacônicos –, é uma obra-prima do primeiro gênero. O breve As Palavras, de Sartre, é talvez o maior exemplo do segundo. Viver para Contar, de Gabriel García Márquez, é classificado como livro de memórias por seus editores, mas há certa dúvida de que, no conjunto, se enquadre nessa categoria. Márquez é, obviamente, um lendário contador de histórias. Além disso, possui uma aguda inteligência autorreflexiva, como podemos observar emCheiro de Goiaba, em que reproduz suas conversas biográficas com Plinio Apuleyo Mendoza.
Em Viver para Contar, Márquez exerce com comedimento esse outro lado de seus dons. Por opção artística, construiu um livro de memórias mais próximo, na forma, de um romance do que jamais se tenha escrito. Começa com a chegada de sua mãe a Barranquilla, a fim de levar o filho – então com 22 anos – para vender a casa da família em Aracataca, viagem que fez com que se tornasse o escritor que é hoje; e termina com o ultimato escrito por ele durante um voo para Genebra, cinco anos depois, e que transformou uma paixão esquiva de adolescência em sua futura esposa. Entre esses dois coups de théâtre paralelos, o autor rememora sua vida até o momento em que deixou a Colômbia, em 1955, numa narrativa que obedece não aos padrões desordenados da experiência ou da memória, com toda a sua irregularidade, mas às regras de uma composição perfeitamente simétrica. O livro é dividido em oito capítulos de tamanhos praticamente idênticos – um arranjo que corresponde menos ainda à maneira como qualquer vida poderia ser de fato vivida, como que para sublinhar o fato de estarmos diante de outro artifício supremo.
esde o início de sua carreira, Márquez vem praticando dois estilos de escrita relativamente distintos: a prosa figurativamente carregada, já visível de maneira brilhante em seu primeiro livro de ficção, A Revoada: O Enterro do Diabo, que teve sua publicação rejeitada na época, com a concessão de que era “poética”; e a concisão objetiva de histórias como Ninguém Escreve ao Coronel ou reportagens como Notícia de um Sequestro. Se, tecnicamente, o registro de Viver para Contar fica entre os dois, o tom e o efeito do conjunto – e isso decorre da concepção das memórias – têm a grandeza viva e suntuosa de seus grandes romances. Estamos ali no mundo de Cem Anos de Solidão ou de O General em seu Labirinto, com sua densidade metafórica e seus diálogos típicos: sentenças curtas e sublimes, que funcionam quase como epigramas, de pungência inimitável e ironia bem-humorada.
O que o livro conta é a história da juventude de Márquez na Colômbia. Retratos vívidos de seus pais e avós criam um ambiente familiar dos mais estranhos. Então é mostrada sua infância, até os 8 anos, com o avô na zona bananeira da costa do Caribe; os primeiros dias de escola e a pobreza em Barranquilla, as férias num interior paradisíaco; a subida do rio Magdalena até um liceu nos Andes; o ingresso na universidade em Bogotá; uma descrição em primeira mão dos tumultos apocalípticos na capital após o assassinato do principal político populista do país, Jorge Eliécer Gaitán; o retorno à costa para fugir dos distúrbios; os primeiros anos como jornalista em Cartagena; o entusiasmo literário e a dissipação boêmia em Barranquilla; e, por fim, o trabalho regular como repórter em Bogotá e a ida ao exterior para cobrir a conferência de Genebra, em 1955. Tudo isso com uma grande variedade de incidentes impressionantes, detalhes intrigantes e uma sorte extravagante que poucas obras de ficção seriam capazes de igualar.
No entanto, o resultado não é um Bildungsroman [romance de formação] do autor, cuja personalidade raramente está em foco, mas a recriação de um universo assombroso, a costa caribenha da Colômbia na primeira metade do século XX. Quem acha que a contraparte factual da ficção de Márquez é, na melhor das hipóteses, uma pálida cópia dela pode ficar tranquilo. Uma cena impressionante atrás da outra, um personagem inesquecível atrás do outro, cascatas de gestos que vão além da lógica e coincidências que vão alémda razão fazem de Viver para Contar um primo dos grandes romances. Esse primeiro volume é um grande e bem planejado edifício de imaginação literária. É tentador, assim, lê-lo apenas como uma obra de arte, independentemente de seu status de documento biográfico.
sso, contudo, seria diminuir seu interesse. Para entender o porquê, pode-se compará-lo com as memórias do escritor latino-americano ao qual é mais comumente associado, e que perde somente para ele em fama. Peixe na Água, de Mario Vargas Llosa, publicado há mais de uma década, tem uma estrutura menos convencional. Escrito após a derrota de sua candidatura à Presidência do Peru, em 1990, alterna capítulos sobre a sua infância e a adolescência, e a campanha para liderar o país quando tinha mais de 50 anos – um recurso de contraponto que ele usou mais de uma vez em seus livros de ficção, de Tia Julia e o Escrevinhador até O Paraíso na Outra Esquina. Nesse formato, os três anos de campanha presidencial ocupam mais espaço do que os 22 anos até a idade adulta. Só isso já faz desse um livro de memórias muito diferente do de Márquez. Ainda mais impressionantes, então, são as semelhanças entre suas primeiras experiências, misteriosamente próximas em muitos aspectos.
Ambos os escritores passaram os primeiros anos cruciais da meninice sob o teto de um avô que os adorava, o patriarca da família – um deles um veterano da guerra civil na Colômbia, o outro um fazendeiro e prefeito na Bolívia e no Peru. Os pais, que tinham empregos semelhantes (um era operador de telégrafo, o outro era operador de rádio) e fizeram casamentos semelhantes (contra a vontade da família da noiva, de classe social superior), eram ausentes: um vazio na estrutura emocional da infância, em que mesmo as mães desempenhavam papel secundário. A iniciação sexual veio cedo, em bordéis sobre os quais escrevem com afeição maliciosa. Mais tarde, casaram-se ambos com moças de sua cidade natal. Quando adolescentes, foram enviados contra a vontade para colégios internos pelos pais. Formaram-se com alegria nas províncias e experimentaram a chegada à capital como um infortúnio.
a universidade, mergulharam numa vida paralela de jornalismo e farras noturnas. Os dois mostraram habilidade para novelas de rádio, inspirados pelo mesmo dramalhão – El Derecho de Nacer,[1] de Félix B. Caignet (sem conotações anacrônicas antiaborto). Em ambos os casos, a grande descoberta literária da juventude foiFaulkner, cujos romances eles dizem que os marcaram mais fundo do que qualquer outro. Cada um encerra suas memórias no mesmo ponto decisivo, quando o escritor – logo depois de descobrir alguma coisa sobre o interior desconhecido de sua terra (El Chocó e Amazonas) – deixa o país natal em direção à Europa, para nunca mais voltar a fixar residência ali.
Uma série de paralelos desse tipo é um convite para algum futuro Plutarco das letras latino-americanas. Mas o que eles evidenciam, afinal, são os contrastes dos dois romancistas e de suas memórias. Apesar de todas as semelhanças entre as constelações familiares, Vargas Llosa tem – pelo lado materno – uma herança social mais privilegiada, um clã da elite de Arequipa que produziu o primeiro presidente peruano do pós-guerra, Bustamante y Rivero. Classe e cor o situavam mais alto na escala social, naquela que era uma sociedade rigidamente racista, do que um menino mestiço da Colômbia poderia chegar. A educação formal também os separou. Márquez explica quão desafeiçoado era dos estudos na universidade, onde seu pai insistira que cursasse direito e a qual acabou por abandonar. Vargas Llosa, ao contrário, teve um brilhante cursus estudantil e tornou-se assistente do maior historiador de Lima antes mesmo de se formar. A universidade foi uma experiência central para ele, enquanto para Márquez não significou nada. Essa diferença explica por que ele foi para a Europa muito mais cedo, com uma bolsa de estudos em Madri. E também por que, uma vez na Europa, nunca mais a deixou, tendo vivido essencialmente em Paris, Londres e Madri, viajando a passeio para Lima. Márquez, ao contrário, logo retornou à América Latina, terminando por se estabelecer no México.
s trajetórias divergentes têm seus correlatos atmosféricos no trabalho de cada um. Na vida dos autores, a história de seu país – medida em termos de matança, repressão, frustração, corrupção – dificilmente poderia ser mais sinistra, e isso, é claro, encontra expressão em seus romances. Mas os retratos que Márquez faz de sua terra natal, mesmo em seus piores momentos, são repletos de um afeto lírico, um amor imutável, que não têm equivalentes no mundo de Vargas Llosa, no qual a relação do escritor com sua terra de origem é sempre tensa e ambígua.
A razão dessa diferença pode ser encontrada em parte em suas situações individuais. Se, por um lado, a configuração das famílias de origem era de uma similaridade impressionante, a voltagem emocional era oposta. A mãe de Márquez, retratada de forma adorável por ele, era claramente uma mulher de grande força de caráter, capaz de administrar um marido determinado, ainda que inconstante, e onze crianças, tanto na prosperidade como na penúria. O pai de Vargas Llosa, que sem uma palavra abandonou a esposa no quinto mês de gestação e, dez anos depois, apareceu inesperadamente para retomá-la e cooptá-lo, foi, em contraste, um pesadelo traumático: temido pela esposa e odiado pelo filho. Sem nenhum apego por sua terra natal, acabou por emigrar para os Estados Unidos e morreu como faxineiro em Pasadena.
Mesmo o melodrama da primeira experiência sexual dos dois escritores, com roteiros conhecidos de honra e ultraje latinos, reflete esse contraste. Quando Vargas Llosa se casou com a tia – naquela família semidesenraizada, não por coincidência uma boliviana –, seu pai sacou um revólver, denunciou-o à polícia em Lima e ameaçou matá-lo com cinco tiros, como um cão raivoso. García Márquez, apanhado in flagrante com a esposa negra de um policial do interior, também teve de encarar uma pistola, assim como as palavras: “Traição na cama se resolve na bala.” Mas o sargento que sofreu a afronta deixou o menino apavorado escapar com a humilhação – em gratidão a um serviço médico prestado pelo pai de Márquez, e quando vistos pela última vez, bebiam juntos.
As duas cenas, composições de um machismo teatral, ilustram duas sociedades diferentes. A poesia e a humanidade do episódio colombiano capturam o espírito geral de Viver para Contar, assim como os laços de seu autor com a comunidade em que cresceu. Já o título de Peixe na Água inverte a história que na verdade conta. Isso é expresso de maneira mais precisa na primeira edição, intituladaUm Peixe Fora d’Água – uma inversão que não é a menos importante das estranhezas das memórias de Vargas Llosa como um todo. Embora escrito num momento de aguda decepção política, e inevitavelmente um tanto descolorido por ela, o livro é atravessado pelo horror a boa parte da vida peruana – social e cultural, bem como política –, que expressa de modo claro sentimentos havia muito existentes.
As consequências literárias dessa diferença não são as que se esperam. O rótulo de “realismo fantástico” – hoje desgastado pelo uso – é habitualmente atribuído aos romances de Márquez. Nunca se ajustou bem a Vargas Llosa, que não reconhece o adjetivo. “Tenho uma fraqueza invencível pelo assim chamado realismo”, observa ele em Peixe na Água. Um dos contrastes mais significativos da ficção de ambos decorre dessas opções distintas – ou talvez as dite. O grosso do trabalho de Vargas Llosa situa-se no presente peruano, contemporâneo à sua própria experiência. A principal exceção são os deslocamentos, não apenas no tempo, como também no espaço – o Brasil de A Guerra do Fim do Mundo ou a França e os mares do sul de O Paraíso na Outra Esquina.
Em compensação, nenhum dos grandes romances de García Márquez representa a época em que ele próprio se tornou escritor. Macondo desaparece na Grande Depressão. O patriarca pertence ao mundo rústico de Juan Vicente Gómez. Os tempos do cólera são vitorianos. O general expira com o fim da Restauração. A modernidade é alérgica à mágica. Os poderes de Márquez sempre necessitaram de uma volta ao passado para serem exercidos com plena liberdade.
claro que, na mente do público, o que provavelmente distingue os dois escritores é a imagem convencional de suas posições políticas – García Márquez como amigo de Fidel Castro, Vargas Llosa como devoto de Margaret Thatcher, figuras respectivamente da esquerda ecumênica e da direita liberal. Tal polaridade existe, é claro. Mas, ao olhar para a escrita em vez de para as filiações, percebemos um contraste mais impressionante. Vargas Llosa foi desde cedo, e assim permanece, um animal político. Como estudante em Lima durante a ditadura de Odría, foi um ativo militante comunista, levado para o partido por Héctor Béjar, que mais tarde, nos anos 60, comandaria a primeira guerrilha peruana; ao chegar à Europa, mergulhou na teoria marxista na qualidade de entusiasta da Revolução Cubana. No começo dos anos 70, quando rompeu com a esquerda por causa de Cuba, não se recolheu à literatura simplesmente, como outros, mas tornou-se um admirador apaixonado de Hayek e Friedman, e um dos principais defensores do capitalismo de livre mercado na América Latina. Sua candidatura à Presidência do Peru, com o apoio da direita tradicional, não foi um capricho repentino, mas consequência de uma década de atividade pública consistente. Logicamente, sua ficção – desde o primeiro retrato da academia militar em A Cidade e os Cachorros, passando pelas conspirações revolucionárias em Conversa na Catedral e História de Mayta, até A Festa do Bode – usa os conflitos políticos contemporâneos diretamente como tema organizador.
Esse nunca foi o caso de García Márquez, e Viver para Contar ajuda a explicar o porquê, apesar de permanecer algum mistério. Ele retrata um jovem, vindo da costa para o altiplano durante a adolescência, tão absorvido pelos temas literários – primeiro e acima de tudo pela poesia – a ponto de não ter praticamente nenhum interesse pelos assuntos públicos. A Colômbia já se encontrava num estado de grande tensão política em seus últimos anos de escola e, assim que chegou à universidade, o país sucumbiu à guerra civil. Em seu capítulo mais poderoso, Viver para Contar pinta um panoramaao estilo de Goya do terremoto social que engolfou Bogotá quando Gaitán, seu político mais popular, foi assassinado, em 1948. De sua pensión a três quarteirões de distância, García Márquez correu para a cena, chegando a tempo de presenciar o linchamento do assassino e a irrupção de uma maré de tumultos e saques que varreu a cidade. Mas sua reação, tal como se recorda, foi simplesmente voltar à pensão para terminar o almoço. Encontrando-o na rua, um parente mais velho – o qual se tornou um dos líderes da junta revolucionária que tentou direcionar os tumultos para um levante contra o governo conservador – instigou-o a participar dos protestos estudantis contra o assassinato. Em vão. Aterrorizado com a destruição e as mortes em massa nos dias seguintes, quando o Exército entrou na cidade para restaurar a ordem, seu único desejo era fugir.
A violênciaque devastou a Colômbia na década seguinte, opondo os liberais aos conservadores que se mantinham no poder, ceifou 300 mil vidas – uma catástrofe pior do que qualquer outra que o Peru tenha sofrido. Esse foi o pano de fundo histórico do início da carreira de Márquez como jornalista e escritor. Mas ele parece ter continuado misteriosamente intacto. Apesar de ser colunista regular de um diário de Cartagena, escreve que “no meu ofuscamento político da época, eu nem sabia que a lei marcial havia sido imposta de novo no país”. Em Barranquilla, pouco depois, “a verdade de minha alma era que o drama da Colômbia me atingia como um eco remoto, e me comoveu apenas quando transbordou em rios de sangue”. Essa confissão nos desarma, mas a distinção não se sustenta: o drama da Colômbia era o derramamento de sangue. Parece que a realidade foi que o jovem literato, inteiramente envolvido em descobertas e experimentos da imaginação, de fato ignorava o destino de seu país naqueles anos.
ra mais fácil agir assim nas cidades costeiras, já que o litoral do Caribe, embora não estivesse imune às chacinas sectárias, foi poupado do pior da violência que grassava nas fronteiras cafeeiras das terras altas. A identificação de Márquez com sua região – “o único lugar em que realmente me sinto em casa” – conferiu à sua escrita uma intensidade luminosa, mas parece também tê-lo protegido, ou cegado, dos padrões e forças mais amplos da nação. “A Colômbia sempre foi um país com uma identidade caribenha que se abria para o mundo pelo cordão umbilical do Panamá”, escreve. “Sua amputação forçada nos condenou ao que somos hoje: uma nação com uma mentalidade andina, cujas circunstâncias favorecem que o canal entre os dois oceanos pertença não a nós, mas aos Estados Unidos.”
O lamento é palpável e significativo. Não é exagero dizer que as terras elevadas dos Andes, que formam o cerne da sociedade colombiana, permanecem uma espécie de livro fechado para Márquez. Não há dúvida de que vem daí, em parte, o silêncio em Viver para Contar a respeito da guerra civil durante a qual se passa boa parte da história.
única aventura de Márquez na história contemporânea, Notícia de um Sequestro, humana e cativante como relato do episódio final da carreira de Pablo Escobar, confirma certo mal de altitude intelectual. Falta-lhe a compreensão do contexto social da guerra da droga na Colômbia ou mesmo uma visão crítica da oligarquia que a comandava. Lendo o livro, ficamos tentados a achar que, no fundo, Márquez permanece tão apolítico quanto era no início.
Isso é um erro, como mostra a sequência de Viver para Contar. Mas tanto suas memórias quanto sua ficção sugerem uma mente com uma maravilhosa sensibilidade intuitiva para o temperamento, as cores e os detalhes do mundo em que cresceu, sem muita consideração pela definição de suas relações ou estruturas. Por esse relato, é difícil situar com precisão a família de Márquez na escala social. Seu avô, apesar de ser representado como um patriarca com alguma substância, parece não ter sido originalmente mais do que um artesão, ainda que ourives; a base econômica da lendária casa de Aracataca – o pai é descrito como alguém que pediu a mão de uma “filha de família rica” – é obscura. Os altos e baixos das venturas do pai, da extrema pobreza ao conforto modesto – aparentemente sem relação com a proliferação dos onze filhos –, são apenas um pouco menos incompreensíveis. Com o passar do tempo, as conexões entre o clã se revelam: um tio na polícia de Cartagena, capaz de arranjar empregos; um professor em Bogotá, dono de uma grande livraria. Cabe a nós tentar adivinhar como se encaixava o jovem Gabito nessa hierarquia complicada de classe e cor.
O que dizer, finalmente, do autorretrato que emerge dessas memórias? Ele é curiosamente oblíquo. Márquez oferece um relato abrangente do desenvolvimento de sua vocação literária, do tempo de escola até mais ou menos seus 20 anos, e muitos incidentes cativantes ou encontros arrebatadores em sua jornada rumo à maturidade. Mas não está tão claro como ele era enquanto menino ou jovem. A autoconfiança que seu avô lhe deu na infância parece nunca tê-lo abandonado, salvo nas brevíssimas turbulências da adolescência. Mas há poucos sinais de ambição deliberada. Ele se fecha em sua timidez, mas obviamente era companhia animada, já que nunca lhe faltaram amigos. Mas não revela o quanto se empenhou em procurá-los ou até que ponto era visto apenas como um boêmio inconsequente.
Nas transações com o sexo oposto, as iniciativas de sedução partem na maioria das vezes das mulheres. Apesar de dizer que quando voltou a Barranquilla “tinha a timidez de uma codorna, que eu tentei contrabalançar com arrogância insuportável e franqueza brutal”, ele parece ter se dado bem em geral com parentes mais velhos e amigos, em todos os lugares por que passou. Com exceção de um conflito com o pai sobre a escolha de sua carreira, nenhuma grande discussão marca esse progresso. Ele cita apenas ocasionalmente os lados mais vulcânicos de sua personalidade – “acessos de raiva sem nenhum motivo”, “birras pueris” –, mas não oferece mais detalhes.
m vez de fazer uma autoanálise detida, Márquez oferece um espelho generoso aos seus contemporâneos. Viver para Contar contém uma abundante galeria de parentes, amantes, colegas, mentores e aliados, capturados num parágrafo ou em uma ou duas páginas. Isso basta para deixar impacientes os leitores anglo-saxões, mas é uma lealdade atraente, que distingue suas memórias das de Vargas Llosa. Um Peixe na Água, pensado desde o início para um público internacional, é mais tênue nesse sentido. As memórias de Márquez são destinadas aos leitores colombianos antes de tudo.
Elas anunciam seu princípio de construção no início, num manifesto gravado como epígrafe na abertura do livro: “A vida não é o que se viveu, mas o que se lembra, e como isso é lembrado para ser contado.” Tomado literalmente, é um convite à memória seletiva, com todas as facilidades de uma amnésia conveniente. Não há motivo para supor que Márquez tenha abusado de sua máxima. Mas é sempre legítimo perguntar em que medida as memórias correspondem aos fatos. Independentemente de quanta licença concedamos a um artista em sua reconstrução do passado, não valorizaríamos do mesmo modo o resultado se tudo se revelasse imaginário.
Nesse caso, a narrativa dá ensejo a alguns pontos de interrogação na margem. Sexo, política, literatura: cada um deixa uma penumbra de incerteza em seu entorno. Comentando “os modos de caçador furtivo” de seu pai, Márquez diz que houve um período em que ficou tentado a imitá-lo, mas logo descobriu que se tratava da “mais árida forma de solidão”. Nada em seu relato corresponde a essa breve afirmação. Em Cheiro de Goiaba, ele diz que, quando estava na universidade, pertenceu a uma célula do Partido Comunista Colombiano. Não há vestígio disso em Viver para Contar.
Entre os autores que o formaram, ele enfatiza Faulkner. Mas a afirmação de que “cada sentença deve ser responsável pela estrutura toda” e o uso celestial do adjetivo (ele diz ter aversão a advérbios), que é a marca de sua prosa, derivam de Borges, que ele pouco menciona. A saída do grupo de Barranquilla que produzia a revista literária Crónica, cadinho de seu primeiro florescimento como escritor, é apresentada como uma partida amigável, sem dificuldades ou ressentimentos. No entanto, entrega que renunciou ao cargo de editor num acesso de raiva algum tempo antes, por razões não especificadas. A ruptura pode ter sido mais dolorosa do que ele sugere.
Tais discrepâncias têm importância? A epígrafe as absolve. Mas uma vida e uma história nunca são a mesma coisa, e os interstícios entre elas – mais largos ou mais estreitos – são inevitavelmente parte do interesse de cada uma. Na luz resplandecente dessas memórias, há um brilho tênue à distância, próprio da latitude.
[1]No Brasil, exibida no formato de radionovela e telenovela, em diferentes versões, com o título O Direito de Nascer.
As diferenças e semelhanças de Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa na literatura e na política até publicarem seus livros de memória
Como formas de escrever sobre o passado, memórias e autobiografias são empreitadas diferentes, apesar de na prática não se sobreporem. No limite, um livro de memórias pode recriar um mundo ricamente povoado por pessoas, sem contudo falar muito sobre o próprio autor. Uma autobiografia, em compensação, pode assumir a forma de um retrato puro de si, no qual o mundo e os outros aparecem apenas como uma mise-en-scène para a aventura íntima do narrador. Ao recontar sua vida, romancistas já produziram atos de bravura em ambos os gêneros.
Entre as obras modernas, To Keep the Ball Rolling [Para Manter a Bola Rolando], de Anthony Powell – quatro volumes agradáveis, embora lacônicos –, é uma obra-prima do primeiro gênero. O breve As Palavras, de Sartre, é talvez o maior exemplo do segundo. Viver para Contar, de Gabriel García Márquez, é classificado como livro de memórias por seus editores, mas há certa dúvida de que, no conjunto, se enquadre nessa categoria. Márquez é, obviamente, um lendário contador de histórias. Além disso, possui uma aguda inteligência autorreflexiva, como podemos observar emCheiro de Goiaba, em que reproduz suas conversas biográficas com Plinio Apuleyo Mendoza.
Em Viver para Contar, Márquez exerce com comedimento esse outro lado de seus dons. Por opção artística, construiu um livro de memórias mais próximo, na forma, de um romance do que jamais se tenha escrito. Começa com a chegada de sua mãe a Barranquilla, a fim de levar o filho – então com 22 anos – para vender a casa da família em Aracataca, viagem que fez com que se tornasse o escritor que é hoje; e termina com o ultimato escrito por ele durante um voo para Genebra, cinco anos depois, e que transformou uma paixão esquiva de adolescência em sua futura esposa. Entre esses dois coups de théâtre paralelos, o autor rememora sua vida até o momento em que deixou a Colômbia, em 1955, numa narrativa que obedece não aos padrões desordenados da experiência ou da memória, com toda a sua irregularidade, mas às regras de uma composição perfeitamente simétrica. O livro é dividido em oito capítulos de tamanhos praticamente idênticos – um arranjo que corresponde menos ainda à maneira como qualquer vida poderia ser de fato vivida, como que para sublinhar o fato de estarmos diante de outro artifício supremo.
esde o início de sua carreira, Márquez vem praticando dois estilos de escrita relativamente distintos: a prosa figurativamente carregada, já visível de maneira brilhante em seu primeiro livro de ficção, A Revoada: O Enterro do Diabo, que teve sua publicação rejeitada na época, com a concessão de que era “poética”; e a concisão objetiva de histórias como Ninguém Escreve ao Coronel ou reportagens como Notícia de um Sequestro. Se, tecnicamente, o registro de Viver para Contar fica entre os dois, o tom e o efeito do conjunto – e isso decorre da concepção das memórias – têm a grandeza viva e suntuosa de seus grandes romances. Estamos ali no mundo de Cem Anos de Solidão ou de O General em seu Labirinto, com sua densidade metafórica e seus diálogos típicos: sentenças curtas e sublimes, que funcionam quase como epigramas, de pungência inimitável e ironia bem-humorada.
O que o livro conta é a história da juventude de Márquez na Colômbia. Retratos vívidos de seus pais e avós criam um ambiente familiar dos mais estranhos. Então é mostrada sua infância, até os 8 anos, com o avô na zona bananeira da costa do Caribe; os primeiros dias de escola e a pobreza em Barranquilla, as férias num interior paradisíaco; a subida do rio Magdalena até um liceu nos Andes; o ingresso na universidade em Bogotá; uma descrição em primeira mão dos tumultos apocalípticos na capital após o assassinato do principal político populista do país, Jorge Eliécer Gaitán; o retorno à costa para fugir dos distúrbios; os primeiros anos como jornalista em Cartagena; o entusiasmo literário e a dissipação boêmia em Barranquilla; e, por fim, o trabalho regular como repórter em Bogotá e a ida ao exterior para cobrir a conferência de Genebra, em 1955. Tudo isso com uma grande variedade de incidentes impressionantes, detalhes intrigantes e uma sorte extravagante que poucas obras de ficção seriam capazes de igualar.
No entanto, o resultado não é um Bildungsroman [romance de formação] do autor, cuja personalidade raramente está em foco, mas a recriação de um universo assombroso, a costa caribenha da Colômbia na primeira metade do século XX. Quem acha que a contraparte factual da ficção de Márquez é, na melhor das hipóteses, uma pálida cópia dela pode ficar tranquilo. Uma cena impressionante atrás da outra, um personagem inesquecível atrás do outro, cascatas de gestos que vão além da lógica e coincidências que vão alémda razão fazem de Viver para Contar um primo dos grandes romances. Esse primeiro volume é um grande e bem planejado edifício de imaginação literária. É tentador, assim, lê-lo apenas como uma obra de arte, independentemente de seu status de documento biográfico.
sso, contudo, seria diminuir seu interesse. Para entender o porquê, pode-se compará-lo com as memórias do escritor latino-americano ao qual é mais comumente associado, e que perde somente para ele em fama. Peixe na Água, de Mario Vargas Llosa, publicado há mais de uma década, tem uma estrutura menos convencional. Escrito após a derrota de sua candidatura à Presidência do Peru, em 1990, alterna capítulos sobre a sua infância e a adolescência, e a campanha para liderar o país quando tinha mais de 50 anos – um recurso de contraponto que ele usou mais de uma vez em seus livros de ficção, de Tia Julia e o Escrevinhador até O Paraíso na Outra Esquina. Nesse formato, os três anos de campanha presidencial ocupam mais espaço do que os 22 anos até a idade adulta. Só isso já faz desse um livro de memórias muito diferente do de Márquez. Ainda mais impressionantes, então, são as semelhanças entre suas primeiras experiências, misteriosamente próximas em muitos aspectos.
Ambos os escritores passaram os primeiros anos cruciais da meninice sob o teto de um avô que os adorava, o patriarca da família – um deles um veterano da guerra civil na Colômbia, o outro um fazendeiro e prefeito na Bolívia e no Peru. Os pais, que tinham empregos semelhantes (um era operador de telégrafo, o outro era operador de rádio) e fizeram casamentos semelhantes (contra a vontade da família da noiva, de classe social superior), eram ausentes: um vazio na estrutura emocional da infância, em que mesmo as mães desempenhavam papel secundário. A iniciação sexual veio cedo, em bordéis sobre os quais escrevem com afeição maliciosa. Mais tarde, casaram-se ambos com moças de sua cidade natal. Quando adolescentes, foram enviados contra a vontade para colégios internos pelos pais. Formaram-se com alegria nas províncias e experimentaram a chegada à capital como um infortúnio.
a universidade, mergulharam numa vida paralela de jornalismo e farras noturnas. Os dois mostraram habilidade para novelas de rádio, inspirados pelo mesmo dramalhão – El Derecho de Nacer,[1] de Félix B. Caignet (sem conotações anacrônicas antiaborto). Em ambos os casos, a grande descoberta literária da juventude foiFaulkner, cujos romances eles dizem que os marcaram mais fundo do que qualquer outro. Cada um encerra suas memórias no mesmo ponto decisivo, quando o escritor – logo depois de descobrir alguma coisa sobre o interior desconhecido de sua terra (El Chocó e Amazonas) – deixa o país natal em direção à Europa, para nunca mais voltar a fixar residência ali.
Uma série de paralelos desse tipo é um convite para algum futuro Plutarco das letras latino-americanas. Mas o que eles evidenciam, afinal, são os contrastes dos dois romancistas e de suas memórias. Apesar de todas as semelhanças entre as constelações familiares, Vargas Llosa tem – pelo lado materno – uma herança social mais privilegiada, um clã da elite de Arequipa que produziu o primeiro presidente peruano do pós-guerra, Bustamante y Rivero. Classe e cor o situavam mais alto na escala social, naquela que era uma sociedade rigidamente racista, do que um menino mestiço da Colômbia poderia chegar. A educação formal também os separou. Márquez explica quão desafeiçoado era dos estudos na universidade, onde seu pai insistira que cursasse direito e a qual acabou por abandonar. Vargas Llosa, ao contrário, teve um brilhante cursus estudantil e tornou-se assistente do maior historiador de Lima antes mesmo de se formar. A universidade foi uma experiência central para ele, enquanto para Márquez não significou nada. Essa diferença explica por que ele foi para a Europa muito mais cedo, com uma bolsa de estudos em Madri. E também por que, uma vez na Europa, nunca mais a deixou, tendo vivido essencialmente em Paris, Londres e Madri, viajando a passeio para Lima. Márquez, ao contrário, logo retornou à América Latina, terminando por se estabelecer no México.
s trajetórias divergentes têm seus correlatos atmosféricos no trabalho de cada um. Na vida dos autores, a história de seu país – medida em termos de matança, repressão, frustração, corrupção – dificilmente poderia ser mais sinistra, e isso, é claro, encontra expressão em seus romances. Mas os retratos que Márquez faz de sua terra natal, mesmo em seus piores momentos, são repletos de um afeto lírico, um amor imutável, que não têm equivalentes no mundo de Vargas Llosa, no qual a relação do escritor com sua terra de origem é sempre tensa e ambígua.
A razão dessa diferença pode ser encontrada em parte em suas situações individuais. Se, por um lado, a configuração das famílias de origem era de uma similaridade impressionante, a voltagem emocional era oposta. A mãe de Márquez, retratada de forma adorável por ele, era claramente uma mulher de grande força de caráter, capaz de administrar um marido determinado, ainda que inconstante, e onze crianças, tanto na prosperidade como na penúria. O pai de Vargas Llosa, que sem uma palavra abandonou a esposa no quinto mês de gestação e, dez anos depois, apareceu inesperadamente para retomá-la e cooptá-lo, foi, em contraste, um pesadelo traumático: temido pela esposa e odiado pelo filho. Sem nenhum apego por sua terra natal, acabou por emigrar para os Estados Unidos e morreu como faxineiro em Pasadena.
Mesmo o melodrama da primeira experiência sexual dos dois escritores, com roteiros conhecidos de honra e ultraje latinos, reflete esse contraste. Quando Vargas Llosa se casou com a tia – naquela família semidesenraizada, não por coincidência uma boliviana –, seu pai sacou um revólver, denunciou-o à polícia em Lima e ameaçou matá-lo com cinco tiros, como um cão raivoso. García Márquez, apanhado in flagrante com a esposa negra de um policial do interior, também teve de encarar uma pistola, assim como as palavras: “Traição na cama se resolve na bala.” Mas o sargento que sofreu a afronta deixou o menino apavorado escapar com a humilhação – em gratidão a um serviço médico prestado pelo pai de Márquez, e quando vistos pela última vez, bebiam juntos.
As duas cenas, composições de um machismo teatral, ilustram duas sociedades diferentes. A poesia e a humanidade do episódio colombiano capturam o espírito geral de Viver para Contar, assim como os laços de seu autor com a comunidade em que cresceu. Já o título de Peixe na Água inverte a história que na verdade conta. Isso é expresso de maneira mais precisa na primeira edição, intituladaUm Peixe Fora d’Água – uma inversão que não é a menos importante das estranhezas das memórias de Vargas Llosa como um todo. Embora escrito num momento de aguda decepção política, e inevitavelmente um tanto descolorido por ela, o livro é atravessado pelo horror a boa parte da vida peruana – social e cultural, bem como política –, que expressa de modo claro sentimentos havia muito existentes.
As consequências literárias dessa diferença não são as que se esperam. O rótulo de “realismo fantástico” – hoje desgastado pelo uso – é habitualmente atribuído aos romances de Márquez. Nunca se ajustou bem a Vargas Llosa, que não reconhece o adjetivo. “Tenho uma fraqueza invencível pelo assim chamado realismo”, observa ele em Peixe na Água. Um dos contrastes mais significativos da ficção de ambos decorre dessas opções distintas – ou talvez as dite. O grosso do trabalho de Vargas Llosa situa-se no presente peruano, contemporâneo à sua própria experiência. A principal exceção são os deslocamentos, não apenas no tempo, como também no espaço – o Brasil de A Guerra do Fim do Mundo ou a França e os mares do sul de O Paraíso na Outra Esquina.
Em compensação, nenhum dos grandes romances de García Márquez representa a época em que ele próprio se tornou escritor. Macondo desaparece na Grande Depressão. O patriarca pertence ao mundo rústico de Juan Vicente Gómez. Os tempos do cólera são vitorianos. O general expira com o fim da Restauração. A modernidade é alérgica à mágica. Os poderes de Márquez sempre necessitaram de uma volta ao passado para serem exercidos com plena liberdade.
claro que, na mente do público, o que provavelmente distingue os dois escritores é a imagem convencional de suas posições políticas – García Márquez como amigo de Fidel Castro, Vargas Llosa como devoto de Margaret Thatcher, figuras respectivamente da esquerda ecumênica e da direita liberal. Tal polaridade existe, é claro. Mas, ao olhar para a escrita em vez de para as filiações, percebemos um contraste mais impressionante. Vargas Llosa foi desde cedo, e assim permanece, um animal político. Como estudante em Lima durante a ditadura de Odría, foi um ativo militante comunista, levado para o partido por Héctor Béjar, que mais tarde, nos anos 60, comandaria a primeira guerrilha peruana; ao chegar à Europa, mergulhou na teoria marxista na qualidade de entusiasta da Revolução Cubana. No começo dos anos 70, quando rompeu com a esquerda por causa de Cuba, não se recolheu à literatura simplesmente, como outros, mas tornou-se um admirador apaixonado de Hayek e Friedman, e um dos principais defensores do capitalismo de livre mercado na América Latina. Sua candidatura à Presidência do Peru, com o apoio da direita tradicional, não foi um capricho repentino, mas consequência de uma década de atividade pública consistente. Logicamente, sua ficção – desde o primeiro retrato da academia militar em A Cidade e os Cachorros, passando pelas conspirações revolucionárias em Conversa na Catedral e História de Mayta, até A Festa do Bode – usa os conflitos políticos contemporâneos diretamente como tema organizador.
Esse nunca foi o caso de García Márquez, e Viver para Contar ajuda a explicar o porquê, apesar de permanecer algum mistério. Ele retrata um jovem, vindo da costa para o altiplano durante a adolescência, tão absorvido pelos temas literários – primeiro e acima de tudo pela poesia – a ponto de não ter praticamente nenhum interesse pelos assuntos públicos. A Colômbia já se encontrava num estado de grande tensão política em seus últimos anos de escola e, assim que chegou à universidade, o país sucumbiu à guerra civil. Em seu capítulo mais poderoso, Viver para Contar pinta um panoramaao estilo de Goya do terremoto social que engolfou Bogotá quando Gaitán, seu político mais popular, foi assassinado, em 1948. De sua pensión a três quarteirões de distância, García Márquez correu para a cena, chegando a tempo de presenciar o linchamento do assassino e a irrupção de uma maré de tumultos e saques que varreu a cidade. Mas sua reação, tal como se recorda, foi simplesmente voltar à pensão para terminar o almoço. Encontrando-o na rua, um parente mais velho – o qual se tornou um dos líderes da junta revolucionária que tentou direcionar os tumultos para um levante contra o governo conservador – instigou-o a participar dos protestos estudantis contra o assassinato. Em vão. Aterrorizado com a destruição e as mortes em massa nos dias seguintes, quando o Exército entrou na cidade para restaurar a ordem, seu único desejo era fugir.
A violênciaque devastou a Colômbia na década seguinte, opondo os liberais aos conservadores que se mantinham no poder, ceifou 300 mil vidas – uma catástrofe pior do que qualquer outra que o Peru tenha sofrido. Esse foi o pano de fundo histórico do início da carreira de Márquez como jornalista e escritor. Mas ele parece ter continuado misteriosamente intacto. Apesar de ser colunista regular de um diário de Cartagena, escreve que “no meu ofuscamento político da época, eu nem sabia que a lei marcial havia sido imposta de novo no país”. Em Barranquilla, pouco depois, “a verdade de minha alma era que o drama da Colômbia me atingia como um eco remoto, e me comoveu apenas quando transbordou em rios de sangue”. Essa confissão nos desarma, mas a distinção não se sustenta: o drama da Colômbia era o derramamento de sangue. Parece que a realidade foi que o jovem literato, inteiramente envolvido em descobertas e experimentos da imaginação, de fato ignorava o destino de seu país naqueles anos.
ra mais fácil agir assim nas cidades costeiras, já que o litoral do Caribe, embora não estivesse imune às chacinas sectárias, foi poupado do pior da violência que grassava nas fronteiras cafeeiras das terras altas. A identificação de Márquez com sua região – “o único lugar em que realmente me sinto em casa” – conferiu à sua escrita uma intensidade luminosa, mas parece também tê-lo protegido, ou cegado, dos padrões e forças mais amplos da nação. “A Colômbia sempre foi um país com uma identidade caribenha que se abria para o mundo pelo cordão umbilical do Panamá”, escreve. “Sua amputação forçada nos condenou ao que somos hoje: uma nação com uma mentalidade andina, cujas circunstâncias favorecem que o canal entre os dois oceanos pertença não a nós, mas aos Estados Unidos.”
O lamento é palpável e significativo. Não é exagero dizer que as terras elevadas dos Andes, que formam o cerne da sociedade colombiana, permanecem uma espécie de livro fechado para Márquez. Não há dúvida de que vem daí, em parte, o silêncio em Viver para Contar a respeito da guerra civil durante a qual se passa boa parte da história.
única aventura de Márquez na história contemporânea, Notícia de um Sequestro, humana e cativante como relato do episódio final da carreira de Pablo Escobar, confirma certo mal de altitude intelectual. Falta-lhe a compreensão do contexto social da guerra da droga na Colômbia ou mesmo uma visão crítica da oligarquia que a comandava. Lendo o livro, ficamos tentados a achar que, no fundo, Márquez permanece tão apolítico quanto era no início.
Isso é um erro, como mostra a sequência de Viver para Contar. Mas tanto suas memórias quanto sua ficção sugerem uma mente com uma maravilhosa sensibilidade intuitiva para o temperamento, as cores e os detalhes do mundo em que cresceu, sem muita consideração pela definição de suas relações ou estruturas. Por esse relato, é difícil situar com precisão a família de Márquez na escala social. Seu avô, apesar de ser representado como um patriarca com alguma substância, parece não ter sido originalmente mais do que um artesão, ainda que ourives; a base econômica da lendária casa de Aracataca – o pai é descrito como alguém que pediu a mão de uma “filha de família rica” – é obscura. Os altos e baixos das venturas do pai, da extrema pobreza ao conforto modesto – aparentemente sem relação com a proliferação dos onze filhos –, são apenas um pouco menos incompreensíveis. Com o passar do tempo, as conexões entre o clã se revelam: um tio na polícia de Cartagena, capaz de arranjar empregos; um professor em Bogotá, dono de uma grande livraria. Cabe a nós tentar adivinhar como se encaixava o jovem Gabito nessa hierarquia complicada de classe e cor.
O que dizer, finalmente, do autorretrato que emerge dessas memórias? Ele é curiosamente oblíquo. Márquez oferece um relato abrangente do desenvolvimento de sua vocação literária, do tempo de escola até mais ou menos seus 20 anos, e muitos incidentes cativantes ou encontros arrebatadores em sua jornada rumo à maturidade. Mas não está tão claro como ele era enquanto menino ou jovem. A autoconfiança que seu avô lhe deu na infância parece nunca tê-lo abandonado, salvo nas brevíssimas turbulências da adolescência. Mas há poucos sinais de ambição deliberada. Ele se fecha em sua timidez, mas obviamente era companhia animada, já que nunca lhe faltaram amigos. Mas não revela o quanto se empenhou em procurá-los ou até que ponto era visto apenas como um boêmio inconsequente.
Nas transações com o sexo oposto, as iniciativas de sedução partem na maioria das vezes das mulheres. Apesar de dizer que quando voltou a Barranquilla “tinha a timidez de uma codorna, que eu tentei contrabalançar com arrogância insuportável e franqueza brutal”, ele parece ter se dado bem em geral com parentes mais velhos e amigos, em todos os lugares por que passou. Com exceção de um conflito com o pai sobre a escolha de sua carreira, nenhuma grande discussão marca esse progresso. Ele cita apenas ocasionalmente os lados mais vulcânicos de sua personalidade – “acessos de raiva sem nenhum motivo”, “birras pueris” –, mas não oferece mais detalhes.
m vez de fazer uma autoanálise detida, Márquez oferece um espelho generoso aos seus contemporâneos. Viver para Contar contém uma abundante galeria de parentes, amantes, colegas, mentores e aliados, capturados num parágrafo ou em uma ou duas páginas. Isso basta para deixar impacientes os leitores anglo-saxões, mas é uma lealdade atraente, que distingue suas memórias das de Vargas Llosa. Um Peixe na Água, pensado desde o início para um público internacional, é mais tênue nesse sentido. As memórias de Márquez são destinadas aos leitores colombianos antes de tudo.
Elas anunciam seu princípio de construção no início, num manifesto gravado como epígrafe na abertura do livro: “A vida não é o que se viveu, mas o que se lembra, e como isso é lembrado para ser contado.” Tomado literalmente, é um convite à memória seletiva, com todas as facilidades de uma amnésia conveniente. Não há motivo para supor que Márquez tenha abusado de sua máxima. Mas é sempre legítimo perguntar em que medida as memórias correspondem aos fatos. Independentemente de quanta licença concedamos a um artista em sua reconstrução do passado, não valorizaríamos do mesmo modo o resultado se tudo se revelasse imaginário.
Nesse caso, a narrativa dá ensejo a alguns pontos de interrogação na margem. Sexo, política, literatura: cada um deixa uma penumbra de incerteza em seu entorno. Comentando “os modos de caçador furtivo” de seu pai, Márquez diz que houve um período em que ficou tentado a imitá-lo, mas logo descobriu que se tratava da “mais árida forma de solidão”. Nada em seu relato corresponde a essa breve afirmação. Em Cheiro de Goiaba, ele diz que, quando estava na universidade, pertenceu a uma célula do Partido Comunista Colombiano. Não há vestígio disso em Viver para Contar.
Entre os autores que o formaram, ele enfatiza Faulkner. Mas a afirmação de que “cada sentença deve ser responsável pela estrutura toda” e o uso celestial do adjetivo (ele diz ter aversão a advérbios), que é a marca de sua prosa, derivam de Borges, que ele pouco menciona. A saída do grupo de Barranquilla que produzia a revista literária Crónica, cadinho de seu primeiro florescimento como escritor, é apresentada como uma partida amigável, sem dificuldades ou ressentimentos. No entanto, entrega que renunciou ao cargo de editor num acesso de raiva algum tempo antes, por razões não especificadas. A ruptura pode ter sido mais dolorosa do que ele sugere.
Tais discrepâncias têm importância? A epígrafe as absolve. Mas uma vida e uma história nunca são a mesma coisa, e os interstícios entre elas – mais largos ou mais estreitos – são inevitavelmente parte do interesse de cada uma. Na luz resplandecente dessas memórias, há um brilho tênue à distância, próprio da latitude.
[1]No Brasil, exibida no formato de radionovela e telenovela, em diferentes versões, com o título O Direito de Nascer.
O filme “Ela” e nossos corpos
Atenção: Não é minha posição com relação a este filme, mas achei os argumentos e defesa dele bem interessantes (princípio dialético)
Por Gabriel Brisola in http://ultimato.com.br/sites/jovem/2014/04/25/o-filme-ela-e-nossos-corpos/
Cartaz do filme “Ela”
“Ela” é um filme curioso. Levou o Oscar de melhor roteiro e angariou algumas dezenas de prêmios em festivais. Está rodando em alguns cinemas no Brasil por essas semanas. Apesar de ainda estar no espectro hollywoodiano de narrativa – o desfecho não mente – e no que parece ser a absorção do “indie” pela indústria – os personagens não mentem -, “Ela“ levanta questões fabulosas. Aí está o trunfo do filme: ele é mais feliz em levantar questões do que resolvê-las, como aparentemente faz. Minha função aqui não é fazer uma crítica do trabalho, mas sim pensar as questões suscitadas e ver como elas atingem nossa fé. Mas antes, um resumo:
Theodore trabalha em uma empresa escrevendo cartas para pessoas que não têm tempo hábil: ele escreve para a esposa enquanto o marido está em uma viagem de negócios, para o aniversário de um ente querido… Ele não transcreve cartas, ele as escreve como se fosse mesmo o remetente que o contratou para tal. Em uma rotina solitária, ele se vê pensando na ex-mulher e em como agora estão em processo de divórcio. Ele sente falta da ex e parece não lidar muito bem com o fato. Evita encontros com os amigos e se vê sozinho em seu apartamento jogando vídeo game ou à noite fazendo sexo a distância por um dispositivo de áudio com alguma desconhecida aparentemente solitária.
É aí que uma novidade aparece: ele compra um sistema de inteligência artificial, “mais que um sistema, uma consciência”. E assim ele começa uma relação com Samantha, um sistema operacional altamente desenvolvido que, como o comercial diz, é uma consciência. Pensa, processa as situações, os dados e os sentimentos. E, como era de se esperar, Theodore começa um relacionamento amoroso com Samantha, que aparentemente preenche todas as suas necessidades e sonhos de mulher.
Samantha sente e responde aos sentimentos suscitados pelo protagonista e por ela mesma. A narrativa se desenrola sob essa perspectiva: uma relação com um ser completo, mas desprovido de corpo.
É significativo que o pôster do filme tenha como imagem Theodore. E é significativo que a primeira relação sexual do personagem com Samantha seja idêntica à relação que ele manteve com outra mulher, por áudio. Creio que não estamos longe de nos relacionarmos com Samantha. Na verdade, nós já nos relacionamos com ela.
Nossas conversas no Skype, por telefone, por Facebook, WhatsApp e etc, flertam com a ideia de que estamos conversando com nós mesmos – a hipótese do filme – ou com a ideia do outro em nós. O outro é sempre feito de uma projeção intensa e isso não é novidade, mas talvez o modo como nos comunicamos tem potencializado essa projeção. Conhecer e se relacionar com o outro é sempre um horizonte, nunca um lugar de chegada. E parece que falar consigo mesmo vai continuar sendo a regra no futuro próximo.
Posso parecer pessimista, mas a promessa das redes em unir as pessoas nunca me soou uma embarcação muito segura. Creio não estar sendo nostálgico nem sublinhando discursos conservadores. Os meios de comunicação realmente nos trouxeram coisas fabulosas – sou o primeiro a atestar -, mas não sou muito esperançoso em relação a certos aspectos.
E aqui gostaria de apontar um outro horizonte para pensar a questão. É relevante que nas Escrituras o corpo tenha um lugar importante. O “verbo se fez carne” para andar entre nós, Cristo ressurgiu em corpo, o corpo é habitação do Espírito Santo, Paulo ensinando que o sexo é a união de dois corpos, o corpo de Cristo na ceia, o pregador falando da decadência do corpo na velhice em Eclesiastes… Mais que uma negação do corpo, como nosso Cristianismo tem feito, a Bíblia aponta a importância do mesmo.
O corpo é porta para o conhecimento e contato com o mundo e o outro. Existe um mistério no corpo, no entrar em contato com o mundo, as coisas e os outros, com e através do corpo. Quem já sentiu saudades, depressão, euforia, amor, sabe exatamente onde a sensação se encontra no corpo. E mais ainda, existe um mistério do qual os místicos e santos falam: do corpo em contato com Deus.
Talvez o corpo seja mesmo importante nas nossas relações. Creio eu que sim. E talvez necessitemos de um novo pensamento ou um resgate do pensamento bíblico em relação ao corpo. Não cabe mais pensar o corpo apenas como adjacência, mas agora como uma estação a partir da qual a vida orbita. Espero que possamos cumprir com essa responsabilidade.
• Gabriel Brisola tem 24 anos, é formado em jornalismo e fotógrafo.
Por Gabriel Brisola in http://ultimato.com.br/sites/jovem/2014/04/25/o-filme-ela-e-nossos-corpos/
Cartaz do filme “Ela”
“Ela” é um filme curioso. Levou o Oscar de melhor roteiro e angariou algumas dezenas de prêmios em festivais. Está rodando em alguns cinemas no Brasil por essas semanas. Apesar de ainda estar no espectro hollywoodiano de narrativa – o desfecho não mente – e no que parece ser a absorção do “indie” pela indústria – os personagens não mentem -, “Ela“ levanta questões fabulosas. Aí está o trunfo do filme: ele é mais feliz em levantar questões do que resolvê-las, como aparentemente faz. Minha função aqui não é fazer uma crítica do trabalho, mas sim pensar as questões suscitadas e ver como elas atingem nossa fé. Mas antes, um resumo:
Theodore trabalha em uma empresa escrevendo cartas para pessoas que não têm tempo hábil: ele escreve para a esposa enquanto o marido está em uma viagem de negócios, para o aniversário de um ente querido… Ele não transcreve cartas, ele as escreve como se fosse mesmo o remetente que o contratou para tal. Em uma rotina solitária, ele se vê pensando na ex-mulher e em como agora estão em processo de divórcio. Ele sente falta da ex e parece não lidar muito bem com o fato. Evita encontros com os amigos e se vê sozinho em seu apartamento jogando vídeo game ou à noite fazendo sexo a distância por um dispositivo de áudio com alguma desconhecida aparentemente solitária.
É aí que uma novidade aparece: ele compra um sistema de inteligência artificial, “mais que um sistema, uma consciência”. E assim ele começa uma relação com Samantha, um sistema operacional altamente desenvolvido que, como o comercial diz, é uma consciência. Pensa, processa as situações, os dados e os sentimentos. E, como era de se esperar, Theodore começa um relacionamento amoroso com Samantha, que aparentemente preenche todas as suas necessidades e sonhos de mulher.
Samantha sente e responde aos sentimentos suscitados pelo protagonista e por ela mesma. A narrativa se desenrola sob essa perspectiva: uma relação com um ser completo, mas desprovido de corpo.
É significativo que o pôster do filme tenha como imagem Theodore. E é significativo que a primeira relação sexual do personagem com Samantha seja idêntica à relação que ele manteve com outra mulher, por áudio. Creio que não estamos longe de nos relacionarmos com Samantha. Na verdade, nós já nos relacionamos com ela.
Nossas conversas no Skype, por telefone, por Facebook, WhatsApp e etc, flertam com a ideia de que estamos conversando com nós mesmos – a hipótese do filme – ou com a ideia do outro em nós. O outro é sempre feito de uma projeção intensa e isso não é novidade, mas talvez o modo como nos comunicamos tem potencializado essa projeção. Conhecer e se relacionar com o outro é sempre um horizonte, nunca um lugar de chegada. E parece que falar consigo mesmo vai continuar sendo a regra no futuro próximo.
Posso parecer pessimista, mas a promessa das redes em unir as pessoas nunca me soou uma embarcação muito segura. Creio não estar sendo nostálgico nem sublinhando discursos conservadores. Os meios de comunicação realmente nos trouxeram coisas fabulosas – sou o primeiro a atestar -, mas não sou muito esperançoso em relação a certos aspectos.
E aqui gostaria de apontar um outro horizonte para pensar a questão. É relevante que nas Escrituras o corpo tenha um lugar importante. O “verbo se fez carne” para andar entre nós, Cristo ressurgiu em corpo, o corpo é habitação do Espírito Santo, Paulo ensinando que o sexo é a união de dois corpos, o corpo de Cristo na ceia, o pregador falando da decadência do corpo na velhice em Eclesiastes… Mais que uma negação do corpo, como nosso Cristianismo tem feito, a Bíblia aponta a importância do mesmo.
O corpo é porta para o conhecimento e contato com o mundo e o outro. Existe um mistério no corpo, no entrar em contato com o mundo, as coisas e os outros, com e através do corpo. Quem já sentiu saudades, depressão, euforia, amor, sabe exatamente onde a sensação se encontra no corpo. E mais ainda, existe um mistério do qual os místicos e santos falam: do corpo em contato com Deus.
Talvez o corpo seja mesmo importante nas nossas relações. Creio eu que sim. E talvez necessitemos de um novo pensamento ou um resgate do pensamento bíblico em relação ao corpo. Não cabe mais pensar o corpo apenas como adjacência, mas agora como uma estação a partir da qual a vida orbita. Espero que possamos cumprir com essa responsabilidade.
• Gabriel Brisola tem 24 anos, é formado em jornalismo e fotógrafo.
O legado de Graciliano Ramos
Ronaldo Correia de Brito em http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=327&titulo=O_legado_de_Graciliano_Ramos&utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
Em 1948, dez anos após a publicação de Vidas Secas, Homero Sena perguntou a Graciliano Ramos, numa entrevista:
― Acredita na permanência de sua obra?
E ele, um pessimista que reagiu ao convencionalismo da linguagem e sempre brigou com as palavras, convencido de que essa era uma briga essencial, de vida ou morte, respondeu amargo e com sinceridade:
― Não vale nada; a rigor até já desapareceu...
***
Nos setenta anos de publicação de Vidas Secas, o mais sereno e otimista dos romances de Graciliano, escrito sob o signo do silêncio como se tudo nele estivesse apenas velado, é possível reconhecer a permanência dessa cartilha de concisão. Permanência atestada não apenas na escritura do livro, mas nos autores brasileiros que surgiram posteriormente a ele e que se beneficiaram dos seus experimentos, pois Graciliano era um experimentador. Cada uma de suas obras é um tipo diferente de romance, como chamou atenção Aurélio Buarque de Holanda. Todas num estilo próprio, a linguagem trabalhada até a última possibilidade de apuro, mas sem ser literária num modo antigo, luso-brasileiro. Graciliano reagiu à impostura do convencionalismo da linguagem, tornou-se romancista da modernidade brasileira, por mais que tentem vinculá-lo ao naturalismo. Moderno, mas não "modernista", na conotação que ganhou o termo com os modernistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Quando Vidas Secas foi publicado, em 1938, a técnica do escritor chegara ao máximo de pessoal, em quatro romances diferentes nos temas e na construção, mas que mantinham o mesmo estilo, "a mesma atitude filosófica perante o Homem, matéria prima da ficção", como observou Wilson Martins. De romance para romance ― Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1938) ― Graciliano se desfaz gradualmente da carga de subjetivismo e angústia que o caracterizam, até que em Vidas Secas, que mais parece um livro de crônicas ou contos, alcança um alto grau de serenidade no estudo psicológico dos personagens: de Fabiano, de Sinhá Vitória, dos meninos, de Baleia e do soldado amarelo.
A paisagem sertaneja, quando descrita, é apenas para realçá-los. Ela só agrava o pessimismo do autor em relação ao mundo; acentua o silêncio das pessoas, que desaprenderam os modos de falar, único jeito de se livrarem de suas memórias. Os entraves de Fabiano, questionando a necessidade da fala, recriminando-se quando comete excessos, nada mais são que os questionamentos de Graciliano em torno da própria escrita, obcecado pela depuração, convencido de que o escritor luta menos com ideias do que com palavras. E que apenas por meio delas pode livrar-se do sofrimento da memória, mergulhando no esquecimento ao escrever.
***
Assumidamente avesso aos resultados da Semana de 22, Graciliano achava que os modernistas brasileiros confundiam o ambiente literário do país com a Academia e traçavam linhas divisórias, mas arbitrárias, entre o bom e o mau, querendo destruir tudo o que ficara para trás, condenando por ignorância ou safadeza muita coisa que merecia ser salva. Com a desconcertante franqueza de sempre, respondeu quando lhe perguntaram se era um "modernista": "Enquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos Índios, em pleno sertão alagoano, vendendo chita no balcão". Se o regionalismo criado por Gilberto Freyre em reação aos "modernistas" ajudou a polemizar a cena literária brasileira, também acentuou uma linha divisória que nunca se desfez, separando o Brasil em Nordeste e Sudeste.
Há quem se apegue ao uso que Graciliano faz de uma meia dúzia de vocábulos próprios do Nordeste ― que não poderiam ser outros, pois falsificariam Vidas Secas, para datar o romance ou classificá-lo como regionalista, num sentido que diminui sua grandeza. Desde o manifesto escrito por Gilberto Freyre, em que chama os modernistas de inimigos de toda espécie de tradicionalismo e de toda forma de regionalismo, confundem o movimento literário deflagrado por Freyre com regionalismo geográfico. Passaram a ser regionalistas, até os dias de hoje, os que escrevem fora da latitude sudeste, principalmente nordestinos, desde que refiram a linguagem e os cenários em que vivem. Uma danosa herança. Mesmo morando no Rio de Janeiro, a partir de 1937, Graciliano continuou emocionalmente vinculado à sua origem. Preferia o interior à cidade grande, e o contato íntimo com a terra e o povo. Reconhecia vir daí a força de escritores como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Jorge Amado.
Sendo um dos escritores modernos que melhor manejaram o nosso idioma, convencido de que não há talento que resista à ignorância da língua, deixou o exemplo de luta e querência pela palavra, a escrita como um difícil exercício de construção em meio ao silêncio. Preocupou-se com o estilo, mas não inventou um idioma, como Guimarães Rosa. Sem forçar comparações, pois acredito que os movimentos literários surgem como sintonias de um tempo em vários espaços do mundo, por afinidades estéticas, filosóficas e outras afinidades, reconheço nas obras de Graciliano e do francês Albert Camus um traçado que os aproxima. Essa analogia surpreendente ou evidente foi registrada por Lourival Holanda no seu livro Sob o signo do silêncio. Ele escreve: "Não cabe inquirir influências: o contato de Camus com o Brasil foi mínimo e tardio; Graciliano é já maduro quando conhece Camus". No entanto, ambos captam as ondas de seu tempo, escrevem obras em que reverbera o social, e antecipam mudanças no espírito literário.
Qual o legado de Vidas Secas para a literatura brasileira, nesses 70 anos? São muitas as respostas. Tornou-se quase estereótipo referir a exatidão, as frases curtas e limpas de excessos humanos, o ritmo dado às frases, a escolha certa das palavras, a eliminação de tudo o que não é essencial. Porém, o maior legado de Vidas Secas é o de uma escrita em que é possível reconhecer a linguagem no processo de tornar-se literatura.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado noTerra Magazine, em junho de 2009
sábado, 12 de abril de 2014
T. S. Eliot e a cultura
T.S Eliot, um dos maiores poetas da língua inglesa do século XX, nascido em 1888 nos EUA mudou-se para a Inglaterra em 1914. Morreu em 1965, de um enfisema pulmonar. Nos anos vinte conviveu com um grupo seleto de artista em Paris (como Woody Allen ilustra no seu filme "Meia Noite em Paris", mesmo que infelizmente [ao meu ver] a passagem de T.S Eliot tenha sido irrelevante e mal explorada no filme) este convívio com a poesia francesa, foi muito frutífero para a futura carreira como escritor. Em 1922 publica "The Wasted land" seu poema mais célebre e bem recebido pela crítica inglesa e estrangeira. Inicialmente utilizou-se do verso livre rimado, posteriormente regressa a métrica e estrofes fixas. Causando assim junto a Erza Paund e James Joyce uma revolução na literatura de língua inglesa.
The Hollow Men: Text of the Poem
Mistah Kurtz—he dead.
A penny for the Old Guy
I
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar
Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;
Those who have crossed
With direct eyes, to death's other Kingdom
Remember us—if at all—not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.
II
Eyes I dare not meet in dreams
In death's dream kingdom
These do not appear:
There, the eyes are
Sunlight on a broken column
There, is a tree swinging
And voices are
In the wind's singing
More distant and more solemn
Than a fading star.
Let me be no nearer
In death's dream kingdom
Let me also wear
Such deliberate disguises
Rat's coat, crowskin, crossed staves
In a field
Behaving as the wind behaves
No nearer—
Not that final meeting
In the twilight kingdom
III
This is the dead land
This is cactus land
Here the stone images
Are raised, here they receive
The supplication of a dead man's hand
Under the twinkle of a fading star.
Is it like this
In death's other kingdom
Waking alone
At the hour when we are
Trembling with tenderness
Lips that would kiss
Form prayers to broken stone.
IV
The eyes are not here
There are no eyes here
In this valley of dying stars
In this hollow valley
This broken jaw of our lost kingdoms
In this last of meeting places
We grope together
And avoid speech
Gathered on this beach of the tumid river
Sightless, unless
The eyes reappear
As the perpetual star
Multifoliate rose
Of death's twilight kingdom
The hope only
Of empty men.
V
Here we go round the prickly pear
Prickly pear prickly pear
Here we go round the prickly pear
At five o'clock in the morning.
Between the idea
And the reality
Between the motion
And the act
Falls the Shadow
For Thine is the Kingdom
Between the conception
And the creation
Between the emotion
And the response
Falls the Shadow
Life is very long
Between the desire
And the spasm
Between the potency
And the existence
Between the essence
And the descent
Falls the Shadow
For Thine is the Kingdom
For Thine is
Life is
For Thine is the
This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.
Aqui está uma versão com referências
http://aduni.org/~heather/occs/honors/Poem.htm
Aqui a tradução
http://panorama-direitoliteratura.blogspot.com.br/2009/09/os-homens-ocos-t-s-eliot.html
sexta-feira, 4 de abril de 2014
[Repost]Os olhos dos pobres
Charles Baudelaire
De Le Spleen de Paris (Les Petits Poèmes en prose), 1869.
Quer saber por que a odeio hoje? Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois acho que você é o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.
Tínhamos passado juntos um longo dia, que a mim me pareceu curto. Tínhamos nos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns, que nossas almas, daqui por diante, seriam uma só; sonho que nada tem de original, no fim das contas, salvo o fato de que, se os homens o sonharam, nenhum o realizou.
De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. O próprio gás disseminava ali todo o ardor de uma estréia e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as superfícies faiscantes dos espelhos, os ouros das madeiras e cornijas, os pajens de caras rechonchudas puxados por coleiras de cães, as damas rindo para o falcão em suas mãos, as ninfas e deusas portando frutos na cabeça, os patês e a caça, as Hebes e os Ganimedes estendendo a pequena ânfora de bavarezas, o obelisco bicolor dos sorvetes matizados; toda a história e toda a mitologia a serviço da comilança.
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica admiração, mas diversamente nuançada pela idade.
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"
Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam
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